Votação em Malawi e o suborno no México

Postado por: Mentalista
Data: 2016-01-02 00:18:51 (Atualizado em: 2017-01-13 01:06:54)

Tags: blog, análises, votação, Malawi, suborno, México, duplo critério

A Torre de Vigia sempre foi muito explícita quanto a votar e sempre declarou que as Testemunhas de Jeová devem se abster e não ter nada a ver com a política. Entretanto, no final da década de 1990, votar se tornou uma decisão pessoal. Considerando o período (1964 a 1975) em que as testemunhas de Jeová estavam passando por perseguição, violência, estupro e até assassinato no Malawi, a questão no entanto fica polêmica.

Anuário das Testemunhas de Jeová de 1999, pág. 183, par. 3 e pág. 189

De todo o Malawi também se recebiam notícias de espancamentos. Para algumas de nossas queridas irmãs, a perseguição assumiu uma forma especialmente horrível. Eram muitos os relatórios de estupro, mutilação e espancamento de mulheres cristãs. Os sádicos agressores não poupavam ninguém. Idosas, jovens e até algumas irmãs grávidas eram submetidas a tais suplícios cruéis. Algumas perderam o bebé em decorrência dos maus-tratos".

[...]

Quando os irmãos se negaram resolutamente a comprar os cartões de afiliação partidária, os perseguidores esfregaram uma mistura de sal e pimenta malagueta em seus olhos. Depois, bateram nos irmãos usando tábuas com pregos grandes. Os ataques selvagens ceifaram muitas vidas. Em Cape Maclear, na extremidade sul do lago Malawi, amarraram feixes de capim em Zelphat Mbaiko. Derramaram gasolina no capim e atearam fogo. Ele foi literalmente queimado vivo.

Este artigo na Wikipédia, obviamente escrito na sua maioria por testemunhas de Jeová, dá uma ideia das dificuldades pelas quais passaram as testemunhas naquele país naquela época.

O cartão de partido era bem irrelevante já que apenas um partido político era permitido no Malawi na época, ficando em vigor até o resto da vida de seu presidente. Ter o cartão não se classificava como votar. Como as testemunhas de Jeová no Malawi se sentiram quando a Torre de Vigia mudou sua posição na década de 1990 (25 anos mais tarde), tornando o voto uma questão pessoal? Será que a Torre de Vigia queria fazer de seus seguidores mártires desnecessários?

Paradoxalmente, por volta desta mesma época, as Testemunhas no México desembaraçavam-se facilmente de suas obrigações militares, sem correr risco algum. Como conseguiam isso? Simplesmente por seguir um velho costume local: pagar uma propina - vulgarmente conhecida como 'mordida' - a funcionários públicos para que emitissem "cartillas", nas quais constava que o jovem estava em dia com suas obrigações militares.

As autoridades mexicanas já haviam se pronunciado contra tal prática ilegal. Relatórios dando conta de tal prática entre as Testemunhas mexicanas já haviam sido enviados à sede da Torre de Vigia no Brooklyn. Tendo conhecimento da aflição de seus concrentes na África, as Testemunhas mexicanas sentiram-se perturbadas em suas consciências com o seu aparente 'privilégio' em relação aos seus irmãos de fé malauis. Por fim, os responsáveis pela filial do México enviaram correspondência ao então presidente da Sociedade - Nathan Knorr - dando conta da embaraçosa situação prevalente naquele país e, ao mesmo tempo solicitando instruções quanto a que postura adotar em relação ao fato. Veja a tradução de uma parte dessa correspondência datada de 4/2/1960:

Uma outra coisa que tem de ser discutida aqui é a lei de marchar como parte do programa de treinamento militar. Depois de "marchar' por um ano, consegue-se a carteira provando que cumprimos com nosso ano de marcha e esta carteira é nosso documento básico para garantir-nos um passaporte, carteira de motorista e, de fato, muitas transações legais. Os irmãos compreendem a posição cristã de neutralidade com relação a tais assuntos, mas muitos irmãos fazem o pagamento em dinheiro a certos funcionários e eles põem em ordem sua carteira de marcha. É este procedimento honesto? Se um irmão realmente marchar, aplicamos a norma de que eles têm transigido e não os designaremos como servos ministeriais durante, pelo menos, tres anos. Mas, aqui, um irmão que provavelmente é servo ou servo de circuito, têm sua carteira de marcha, a qual usa de vez em quando em suas transações legais, mas sem ter marchado. O que é correto neste respeito? O costume entre os irmãos é e tem sido pagar por isto uma quantia em dinheiro e garantir sua carteira de marcha, e muitos deles estão servindo atualmente como servos de circuito ou servos de congregação. Estão eles representando uma farsa? Ou é simplesmente uma dessas coisas deste sistema fraudulento? Devemos deixar que passe ou deve ser feita alguma coisa quanto a isso? Existem tantas irregularidades neste país. O guarda o faz parar por alguma infração de trânsito e trabalha por sua "mordida" ou pequeno suborno de 40 centavos. Todos sabem que ele não tem o direito de fazer isso, mas lhe dão 5 pesos, de modo a escapar de ir à delegacia e ser multado em 50 pesos, perdendo muito tempo. É um hábito aqui, uma prática comum. Significa a carteira de marcha o mesmo? Seu conselho sobre isso será apreciado.

E aqui a tradução de uma parte da carta de resposta da Torre de Vigia:

Com relação aos que são isentos do treinamento militar por meio de uma transação monetária com os funcionários envolvidos, isto é semelhante ao que é feito em outros países latino-americanos, nos quais os irmãos têm gratificado algum funcionário militar pela isenção, a fim de preservar sua liberdade para as atividades teocráticas. Se os membros da instituição militar estiverem dispostos a aceitar tal arranjo, com base no pagamento de uma gratificação, então isto é da responsabilidade destes representantes da organização nacional. Em tal situação, o dinheiro pago não vai para a instituição militar, mas fica de posse do indivíduo encarregado do arranjo. Se a consciência de certos irmãos lhes permite participar de tal arranjo em favor de sua contínua liberdade, não temos nenhuma objeção. Evidentemente, caso fiquem em dificuldades por causa de seu modo de agir, então terão de arcar eles mesmos com tais dificuldades, e nós não poderemos prestar-lhes nenhuma assistência. Mas se o arranjo é comum aí e é aceito pelos fiscais, os quais não fazem nenhuma investigação sobre a veracidade do assunto, então o problema pode ser ignorado por suas vantagens de crescimento. Caso surja uma emergência militar e sejam estes irmãos confrontados com sua carteira de marcha, serão obrigados a tomar uma decisão da qual não poderão safar-se por meio de pagamento em dinheiro, e a sua integridade será provada, tendo de demonstrar prontamente qual é a sua posição e provar que são a favor da neutralidade cristã em um teste decisivo. (Veja as correspondências na íntegra e em inglês.)

O linguajar ambíguo desta carta não consegue ocultar seu teor permissivo e indulgente para com uma prática prevista e definida em lei como CRIME - tipificado, no mínimo, em dois artigos do Código Penal: a) Corrupção ativa (a paga de propina); e b) Falsidade ideológica (o documento fraudulento).

Na carta, a Sociedade furtivamente evita os termos "propina", "suborno" ou "fraude", preferindo eufemizá-los como "transação financeira", "gratificação" ou "arranjo". Além disso, menciona o fato de se tratar de uma prática "comum", como se isso atenuasse, de alguma forma, a culpabilidade da pessoa que assim procedesse. Adicionalmente, "lava as mãos" quanto à questão, isentando-se completamente da responsabilidade pelo delito e, ao mesmo tempo, negando auxílio àqueles que viessem a entrar em dificuldades em razão de uma atitude contra a qual afirma-se não haver objeção. O que é isso senão um endosso tácito de tal prática? É também digno de nota o motivo alegado para tal condescendência - vantagens de crescimento. E quanto à imagem da entidade perante Deus e os homens? Seria vantajoso 'crescer' em troca do abandono do alto padrão moral do cristianismo? Estas devem ter sido questões cruciais para aqueles na dianteira da instituição.

Por que preferiu a sede das Testemunhas de Jeová "não se envolver em debate" e "deixar as coisas como estão"? A resposta é óbvia: o registro que havia feito em 1943, como entidade CULTURAL, não religiosa. Caso fossem dadas instruções aos na dianteira da filial mexicana no sentido de condenar a prática comum do suborno para a obtenção das "cartillas", os jovens teriam que manifestar objeção de consciência ao serviço militar, o que automaticamente revelaria às autoridades do país o caráter religioso da entidade à qual pertenciam, resultando no confisco das propriedades e capitais da Sociedade Torre de Vigia no México, os quais passariam ao controle do Estado.

Quão forte brilhou perante os mexicanos a "luz" das Testemunhas de Jeová, durante os 50 anos em que elas não usavam publicamente a Bíblia, não oravam nem entoavam cânticos em suas reuniões e ainda pagavam propinas a funcionários públicos corruptos?

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